O GLOBO | O direito de criticar Madonna

O maior preconceito com a idade é da própria cantora. A deformação de seu rosto não é liberdade, mas outra forma de escravidão

Foto divulgação

A deformação do rosto de Madonna, irreconhecível aos 64 anos depois de uma série de procedimentos estéticos, pode sim ser criticada. E isso não revela nenhuma misoginia ou preconceito de idade. É um alerta às mulheres. O maior preconceito com a idade é da própria Madonna. Ao se recusar a envelhecer, permite que a obsessão pela juventude eterna desumanize seus traços. A perversa ironia é que mulheres assim, mesmo as lindas, acabam feias e parecendo mais velhas. Sou fã de Madonna há décadas. Quando morava em Londres, fui a um show dela no estádio de Wimbledon. “Like a virgin”, em julho de 1990. Sua dança acrobática hipnotizava. A ousadia, a sensualidade e o carisma transbordavam do palco. Comprei em 1992 um livro de fotos eróticas de Madonna, com capa de alumínio e imagens explícitas. Inspirada na cultura punk e no sadomasô, “Sex” era uma obra de arte transgressora, livre, excessiva. Apesar das críticas, vendeu 150 mil cópias num só dia. Consegui comprar numa banca em Barcelona.

Minha admiração por Madonna não impede que eu critique o que ela fez com seu rosto. Talvez me valide. Fiquei chocada e entristecida com suas imagens no Grammy. Seu rosto não é prova de coragem ou rebeldia, mas de medo e rendição. As redes foram tomadas por condenações – impiedosas ou carinhosas. Logo apareceu uma tropa feminina para encampar o vitimismo da cantora/atriz/performer. Acho insuportável a patrulha que acusa de misoginia mulheres que criticam mulheres. Passando pano para machos? Não somos santas. Não dá para culpar sempre o patriarcado, como se não tivéssemos opções. Isso sim é menosprezar a mulher.

“Sou alvo do preconceito de idade e da misoginia que permeia a sociedade em que vivemos. Um mundo que se recusa a celebrar a mulher que passa dos 45 anos e sente a necessidade de atacá-la se ela continuar obstinada, trabalhadora e aventureira”, escreveu Madonna em seu perfil no Instagram.

É verdade. Mas nesse caso é mentira. Claro que o mundo tem preconceito com mulheres maduras – muito mais do que com homens maduros. Nada, porém, justifica que uma mulher se deforme. Procedimentos, sim, para se sentir mais atraente, se tiver recursos. Mas sem abusos e escolhendo bem os médicos. É tênue a linha entre a beleza e o estranhamento, entre o bem-estar e a perda de personalidade.

Perguntei ao Dr Daniel Coimbra, professor na Santa Casa de Misericórdia do RJ e sócio da Clínica Les Peaux na Gávea, sobre a tal harmonização facial. “Eu fujo dessa expressão. Virou ‘padronização facial’. Injeta-se excesso de preenchimentos na bochecha, nas olheiras e na mandíbula. E pacientes acabam com aparência de mais idade. O tratamento certo deixa a pessoa bem para a idade que tem. Se a idade se torna uma incógnita, é sinal de que o procedimento não foi adequado”.

E agora a moda pega as novinhas. Gente, muito jovem quer modificar traços do rosto. Com preenchimentos, meninas de 25 anos parecem ter 35 ou 40, diz. Os anos passam e o ácido hialurônico em excesso atrai muita água. “Acontece o que aconteceu com o rosto da Madonna. Processo muito difícil de reverter. A harmonização sem critérios clínicos e com muitas seringas não é boa a longo prazo e não deve ser usada para atingir um padrão ideal de beleza”. O que fez Madonna ficar com esse rosto inchado, desagradável, sisudo e bravo? Ela apareceu linda no MET Gala em 2014, mas vem se modificando num processo acelerado de distorção da própria imagem. A aparência atual “está relacionada a cirurgias plásticas, talvez equivocadas, na última década, associadas a injeções repetidas de preenchedores de ácido hialurônico”.

A dica para resultados naturais e duradouros é tratar flacidez associando pequenas quantidades de hialurônico a produtos que estimulem a produção de colágeno e rejuvenesçam a pele, além dos lasers. Às mulheres que dizem para “deixar a Madonna em paz, para ela fazer o que quiser na cara usando o dinheiro dela”, eu respondo. Gosto da Madonna. E isso aí não é liberdade. É outra forma de escravidão. O livro “Sex”, com fotos eróticas e transgressoras de Madonna, foi publicado em 1992. Comprei numa banca em Barcelona. Nessas páginas eu vi, sim, liberdade, ousadia e autonomia sexual. – Foto: Reprodução

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