Após mais de 200 dias em confinamento e contato virtual, parece que a nossa fixação por uma aparência computadorizada e pouco realista cresceu. Entenda como isso pode impactar a nossa autoimagem
REDAÇÃO MARIE CLAIRE DO HOME OFFICE
07 NOV 2020 – 06H02 ATUALIZADO EM 07 NOV 2020 – 06H02
Do prato e da viagem para o interior à selfie na luz da janela, nas redes sociais – a gente bem sabe – tudo é perfeito. Um toque de edição e as comidas ganham mais cor, fazendo a boca encher d’água mesmo à distância; qualquer cenário é mágico e a nossa pele é livre de poros, manchas e cicatrizes. No mundo paralelo da telinha do celular quase não há dias nublados, rachaduras na parede, nem celulite ou papada.
Tudo bem, não é de hoje que usar filtros e aplicativos, que transformam a vida em um filme, se tornou corriqueiro. A possibilidade de ajustar a luz, alterar uma marquinha ou outra, corrigir olhos vermelhos e até deixar a estética mais vintage, por exemplo, está entre nós há algum tempo. No entanto, recentemente eles têm ganhado dimensão até em espaços que, antes, eram destinados a mais espontaneidade mesmo dentro das redes sociais: os stories.
Em tempos de isolamento social, passamos boa parte do tempo vendo uns aos outros exclusivamente pelas telas dos telefones e computadores. A preocupação com a aparência real x virtual é cada vez mais frequente e os padrões de beleza que até outro dia eram apenas inalcançáveis, hoje são ficção virtual. Um filtro rápido para disfarçar a cara lavada e você fica “naturalmente” mais bela. Do desejo de uma pele lisa, com textura e coloração uniforme a vontade de fazer preenchimento labial, como fica a nossa relação com o espelho no meio disso tudo?
A pele perfeita
Segundo Daniel Coimbra, dermatologista carioca membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, essa busca incessante por um padrão de perfeição já chegou ao consultório. “Muitas pessoas estão mais preocupadas com a qualidade da pele. Isso, na minha opinião, está relacionado com o uso dos filtros dos aplicativos. Eles causam uma expectativa extremamente alta nos pacientes que procuram tratamentos para tentar deixar a pele mais bonita, com menos manchas e principalmente com os poros mais fechados ou com uma aparência mais jovial”, diz.
Para ele é essencial abrir mão desse conceito, principalmente entre o público mais jovem, e aceitar que a perfeição não existe! “Todo mundo tem áreas com poros mais dilatados, que podem sim ser reduzidos, mas jamais eliminados porque é uma questão fisiológica. Muito mais importante do que realizar muitos procedimentos ainda jovem é cuidar diariamente da pele em casa, para assim ter uma pele bonita e saudável, mas real”, explica.
Em relação ao uso de filtros, o dermatologista lembra que eles são uma ferramenta que não representam a realidade da nossa pele e devem ser usados com consciência. “Por mais que eu acredite que a utilização dos filtros seja uma coisa boa, no sentido de postarmos uma foto melhor, é preciso ter critérios e discernimento do que é a nossa pele real e do que o filtro representa É importante prestar atenção quando o uso passa a ser exagerado, a ponto acarretar alterações na nossa auto imagem e autoestima”, alerta.
Procedimentos não cirúrgicos
Além da busca pela pele livre de imperfeições, alguns filtros – e imagens das redes sociais – podem inspirar o desejo por procedimentos como preenchimento labial, harmonização facial etc. Segundo dados da Associação Americana de Cirurgia Plástica e Estética, a ISAPS, os procedimentos não cirúrgicos são os que mais aumentaram nos últimos tempos. “O impacto das redes sociais no psicológico das pessoas é um fenômeno que já vem sendo estudado a bastante tempo. Cada um querendo mostrar o seu melhor, ninguém quer mostrar momentos não favoráveis”, diz André Maranhão, cirurgião plástico carioca membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
De acordo com ele, as maiores buscas são por mudanças em relação à posição das sobrancelhas, espessura do nariz, volume dos lábios e formato das maçãs do rosto e queixo. “Já passei por situações em que pacientes vieram ao consultório buscar o resultado produzido por um filtro na hora de fazer um stories com a própria foto em mãos. Entretanto cabe ao profissional orientar o paciente e observar as limitações técnicas de cada caso, porque nem sempre é possível reproduzir no mundo real o que filtro produz tecnologicamente”, conta.
Daniel concorda. “É preciso muito cuidado com a promessa de resultados milagrosos. Em geral as fotos de antes e depois – de quem já passou por mudanças estéticas são adaptadas (variação de luz, distância da câmera e posição da cabeça) para causar um grande impacto, o que na maioria das vezes não passa de ilusão de ótica. “Precisamos trabalhar o conceito de sermos a melhor versão de nós mesmos e não uma reprodução de filtros ou fotos de redes sociais”, finaliza.
Beleza real
Em contrapartida a tudo isso, alguns movimentos importantíssimos, como o #movimentocorpolivre e #pelelivre, estão ganhando cada vez mais força na internet e fora dela. Influenciadoras como Alexandra Gurgel, Karen Paiva, Julia Vecchi e muitos outros (ainda bem), inspiram atitudes de autovalorização e aceitação – da pele, da forma do corpo… Em entrevista recente à Marie Claire, Julia contou que adora ter rotina de skincare, mas que a acne existe. E tudo bem. “Decidi parar de esconder, e hoje eu uso o make para me expressar, e não me camuflar. A verdade é que eu, com espinhas ou não, me sinto sempre uma grande gostosa”, diz.
Para Tay Borges, consultora de imagem e estilo e professora da Belas Artes, se fotografar é muito mais sobre ter intimidade com você mesma do que buscar ferramentas para sair ‘perfeita’. “É, principalmente, descobrir o que te favorece, única e exclusivamente para você, sem regras. E isso te ajuda muito na hora de tirar uma foto bem legal. Uma luz boa deixa a gente linda! E é natural”, diz.
Recentemente a cantora Preta Gil e a jornalista Maíra Azevedo também postaram fotos sem filtro, e naturalmente acabaram incentivando mais pessoas a postarem fotos ao natural usando a #24hssemfiltro. Personalidades como a atriz Fernanda Paes Leme e a dermatologista Katleen da Cruz Conceição aderiram ao movimento.
Fonte: Marie Claire Brasil
https://revistamarieclaire.globo.com/Beleza/noticia/2020/11/efeito-filtro-redes-sociais-e-nossa-relacao-com-beleza.html