A toxina botulínica, o famoso ‘Botox’, agora é arma contra o excesso de suor, a rosácea, os poros dilatados e até a enxaqueca.
Quando entrava em reuniões com clientes do escritório onde trabalha, a advogada Lucia, 31 anos, tinha que se policiar para não gesticular demais expor o suor, que brotava em excesso de suas axilas diariamente, desde a adolescência.
– Uso muita camisa social justa e me sentia envergonhada com as marcas debaixo do braço – conta ela, que preferiu omitir o nome verdadeiro.
– No ambiente de trabalho, isso é muito ruim.
Numa das consultas ao dermatologista, Lucia descobriu que a toxina botulínica, popularmente conhecida por Botox (o nome é de uma marca, mas acabou entrando no léxico popular), poderia resolver o trauma. Aplacar o excesso de sudorese, a chamada hiperidrose, é uma das muitas funções que a substância, famosa por diminuir rugas da face, tem tido nos últimos anos.
A toxina é produzida pela bactéria Clostridium botulinum, que se liga a neurotransmissores, provocando relaxamento temporário de determinados músculos. Seu poder terapêutico em pequenas doses é tamanho, que ela começou a ser usada com eficácia por oftalmologistas para o tratamento de estrabismo e espasmos musculares na região orbital. No início dos anos 1990, o casal de médicos canadenses Jean e Alastair Carruthers apresentaram à comunidade científica estudos que tornaram a substância popularíssima no mundo por sua capacidade de diminuir contrações musculares e reduzir rugas de determinadas áreas.
– Quando você reflete sobre a eficácia da toxina em paralisar músculos, começa a pensar também no uso para outras queixas relacionadas a um movimento exacerbado da musculatura – explica a dermatologista Betina Stefanello, da Clínica de Dermatologia Les Peaux, no Rio, que apresentou a técnica a Lucia – No caso de hiperidrose, as glândulas sudoríparas recebem menos estímulos para a secreção de suor.
A aplicação da toxina nas axilas, segundo a paciente, fez toda a diferença em sua vida. Ela fez o procedimento há quase um ano e, dez dias depois da injeção, já não suava mais como antes e não precisava calcular milimetricamente os movimentos. A advogada pretende repetir a dose, já que o efeito para esse tipo de problema é semelhante ao de correção de rugas, ou seja, temporário.
Segundo os médicos, é preciso fazer a reaplicação de seis em seis meses pelo menos, para que a eficácia continue alta. O produto, aliás, também pode ser injetado nos pés e nas mãos, sendo capaz de combater o excesso de suor nessas regiões, quando o quadro não está relacionado a outras patologias, como alterações na tireoide.
– Nessas extremidades, nós precisamos usar mais toxina, e a dor da aplicação é maior, pois são regiões que envolvem muitos músculos na movimentação- explica a dermatologista Apolônia Salles, do Rio, ressaltando que a eliminação total do suor e o tempo de duração desse efeito varia de pessoa para pessoa. – Mas é um procedimento bastante seguro por ser muito superficial.
Quem sofre com a vermelhidão característica da rosácea também encontra luz no fim da seringa. A toxina pode diminuir as contrações dos vasos da face e, consequentemente, o desconforto. A turma dos poros extremamente dilatados tem se beneficiado igualmente, já que a substância ajuda na contribuição da glândula sebácea.
– Essas aplicações são mais novas e chamadas de “microbotox”. Nesses casos, a dose de toxina aplicada é mais diluída do que a usada na correção de rugas – diz Apolônia Salles.
SAÚDE
Se o burburinho em torno da toxina botulínica começou na oftalmologia e reverberou alto na dermatologia, chegou a hora de ele ser uma opção também para a neurologia. A substância tem sido usada como possibilidade de tratamento em casos específicos de enxaqueca.
O especialista em marketing Luciano Paiva, de 43 anos, sofria com crises mensais de dor de cabeça que o deixava acamado por até três dias, atrapalhando sua produtividade e vida social. Fez vários tratamentos, mas a misericórdia só veio depois que ele se entregou a pequenas injeções nas têmporas, no trapézio, na nuca e entre as sobrancelhas.
– Desde os 38 anos, já aplicava a toxina na testa para tirar os vincos. Quando li um artigo sobre a ajuda dela o combate à enxaqueca, resolvi correr atrás – conta Luciano, que faz o procedimento todo semestre, há dois anos, juntamente com orientação nutricional para neutralizar gatilhos que possam desencadear dores.
No caso da enxaqueca, o mecanismo do uso da toxina botulínica é o relaxamento temporário dos músculos, que pode ajudar no alívio das dores. No entanto, a neurologia Ana Luísa Rosas, de São Paulo, salienta que nem todos os beneficiam desse tipo de tratamento, daí a necessidade de avaliação de um médico especializado em neurologia.
– Muitas vezes, o paciente já vem ao consultório pedindo pelo “Botox” para enxaqueca, mas não é indicado a todos os casos. Se for realmente útil, a substância vai ajudar a abreviara intensidade e a frequência das dores. Isso faz com que a pessoa diminua consideravelmente o abuso de analgésicos – diz Ana Luísa.
A médica ressalta também que esse procedimento deve ser feito apenas se outras opções foram testados e não deram os resultados desejados na melhora da qualidade de vida do paciente.
Uma das questões sempre levantadas sobre a injeção de toxina botulínica no corpo é: depois de determinado tempo, criamos anticorpos para ela, que deixa de fazer efeito? As respostas não são unânimes, mas o intervalo de aplicação, independentemente do problema, é um consenso entra os médicos.
– Para evitar qualquer complicação, tomamos algumas precauções, como, por exemplo, dar três meses de hiato entre uma aplicação e outra – diz Betina Stefanello.
ATAQUE OS PROBLEMAS
· O QUE É A TOXINA BOTULÍNICA
Em pequenas doses, ela tem função de diminuir a contração dos músculos de determinadas áreas, sem causar prejuízos na função vital. Hoje, o uso mais popular é na dermatologia, para correção de rugas faciais. No entanto, outras especialidades, como a oftalmologia (por sinal, a pioneira no uso da substância) e a neurologia, utilizam-na em tratamentos como estrabismo ou casos específicos de dor de cabeça.
· COMBATE À HIPERIDROSE
Para que sua demais, a aplicação da toxina nas áxilas, nas mãos e nos pés faz com que as glândulas sudoríparas sejam menos estimuladas a secretar suor. O intervalo entre as sessões depende da reação de cada paciente, mas geralmente fica entre quatro meses e um ano.
· TCHAU, POROS DILATADORES E ROSÁCEA
Doses ainda menores da toxina têm sido usadas para reduzir a contração dos vasos da face (que, quando confirmados, geram a vermelhidão da rosácea) e das glândulas sebáceas que muitas vezes dão a sensação de poros alargados.
· ALÍVIO NA ENXAQUECA
Alguns casos específicos de enxaqueca podem ser combatidos com a toxina, que relaxa temporariamente os músculos da região da cabeça, do pescoço e do ombro. No entanto, é preciso ter certeza de que o procedimento é adequado ao tipo de dor.
Fonte:
Caderno Ela – O Globo | 02/09/2018
Por Talita Duvanel.